O caso de amor que Bruna Lombardi mantém com a literatura é de longa data, e seu primeiro romance, Filmes Proibidos, já completa 35 anos. Em 2025, a atriz, escritora, poeta, roteirista e palestrante relança a obra, contextualizando que, nos anos 1980, os comportamentos tóxicos não eram abordados culturalmente com uma nomenclatura específica igual a hoje. E, em conversa com a Uma Revista, ela fala sobre o respeito pelo seu processo de criação, além do amor de uma vida toda e da sua maneira de se manter conectada consigo em meio ao caos do dia a dia.

Uma Revista: Bruna, o Rubem Fonseca, que foi um dos maiores escritores do nosso país e cujo sucesso no exterior também foi muito significativo, está na sua trajetória como um dos maiores incentivadores do seu primeiro romance. Você conta que ele praticamente encomendou essa história. Como foi que isso aconteceu?
Bruna Lombardi: Isso mesmo! Eu conheci ele aí em Porto Alegre, na Feira do Livro, mesmo lugar onde conheci o Mario Quintana, a Clarice Lispector, a Lygia Fagundes Telles, a Nélida Piñon, o Carlos Nejar, o Caio Fernando Abreu, o Sergio Faraco e tanta gente querida e importante na literatura. Desde então, fiquei amiga de vários. Na época, já eram escritores consagrados, de muito renome, e eu era uma leitora apenas. Ao ser convidada para a Feira do Livro, fui a mascote da turma. Fiquei muito contente de estar ali e de conhecer esses meus ídolos. Nunca pude imaginar que me tornaria amiga deles! E uma amizade que duraria a vida inteira deles. Eu já tinha escrito vários livros naquela época, e o Rubem falou: “Você tem que escrever um romance, você é uma romancista, está faltando esse romance”. Então, escrevi e fiquei muito feliz de ter feito isso. Agora, já estou escrevendo outro!
Uma Revista: Você já pode falar sobre o que é o próximo romance?
Bruna Lombardi: Ainda não posso contar, é segredo (risos)!
Uma Revista: Como foi o processo de preparar essa nova edição de Filmes Proibidos mais de três décadas depois?
Bruna Lombardi: Foi muito gostoso! Primeiro, por revisitar essa história e personagens divertidas que eu adoro. Porque, ainda que haja uma dor na personagem, certo abandono, ela vai à luta e se joga na vida. E eu sempre uso o humor, porque as pessoas se salvam muito através dele. O humor é uma coisa importante de se ter, mesmo nas horas em que a gente cai (risos). Coloquei trechos inéditos, inclusive, um texto na abertura que se chama Quando as coisas ainda não tinham nome, no qual falo o que foi a virada dos anos 1980 para 1990. Era uma virada de década, praticamente de século, com a perspectiva da chegada de um novo milênio. Tudo isso marcou muito as personagens, pois havia uma expectativa no ar de transformação do mundo. E o mundo estava realmente se transformando.

Uma Revista: Nessa época, muitas coisas não eram abordadas culturalmente com uma nomenclatura específica igual hoje, não é?
Bruna Lombardi: Exatamente, não eram. Fora que não existia toda a facilidade de hoje. Internet, WhatsApp, celular. Imagina, a gente vivia sem celular! Havia o orelhão na esquina; caía a última ficha e acabava a ligação. Em casa, o telefone fixo. E você vai se divertir no livro com isso. Quem vivenciou essa época, revive. Quem nunca vivenciou, questiona: “Nossa, como eles viviam rudimentarmente!”. E a gente se virava muito bem. Imagina, quem viajava era como sumir no mundo! Telefonema interurbano era caríssimo. Ter notícias era receber um cartão postal, uma carta. É muito inimaginável hoje!
Uma Revista: São tempos que proporcionam um cenário muito interessante na literatura, não?
Bruna Lombardi: É um cenário muito interessante na literatura, eu concordo. E é um revival! Parece que as pessoas estão gostando de ver isso, até porque estamos muito sobrecarregados hoje em dia.
Uma Revista: Com todo o excesso de informação e a presença constante da tecnologia, esse cenário offline é revigorante…
Bruna Lombardi: É um alívio, não é? E eu falo que esse livro é para quem já se apaixonou e ficou esperando dentro de casa por um telefonema que não veio. Para a pessoa que já sofreu por amor, que já quis dar a volta por cima e rir disso um dia. Esse romance é muito bom para ela. Filmes Proibidos faz com que você apenda a rir disso tudo.
Uma Revista: Você se declara uma pessoa livre, com influência do ancestral e da natureza. E essa forma de viver, com certeza, torna você muito inspiradora, tanto na vida pessoal quanto na arte. Quais são os seus pilares para se manter íntegra assim, mesmo no caos do dia a dia?
Bruna Lombardi: Às vezes, a gente se desconecta, o que provoca um grande vazio dentro da alma. E nada desse consumo preenche o vazio. Isso só nos preenche brevemente. Você compra uma coisa, vai a uma festa, faz o que for, e sente aquele entusiasmo. Mas, em seguida, você sente que não está preenchido. Precisamos da conexão com uma coisa maior, com a natureza e com aquilo que nós somos – pois nós somos natureza. A gente precisa desse olhar justamente por causa do caos e da pressa; por causa de todas as pressões que a gente vive e das múltiplas tarefas das quais não damos conta, pois estamos sempre devendo na lista que a gente nunca completa. É uma permanente maratona, sem chegada. É nesse percurso que precisamos dessa outra respiração e dessa outra conexão. É muito fácil você meditar em cima da montanha do Tibet, em um templo. Difícil é você fazer isso no meio da loucura do dia a dia, do trânsito, dos perrengues, das coisas que não fecham e não dão certo, do que adiamos por necessidade e assim por diante. A grande busca é superar esse conflito e tentar encontrar momentos de paz no caos, até para você operar melhor dentro da desordem, que é uma coisa natural da vida.
Uma Revista: Impossível não falar do seu relacionamento com o Ricceli, seu parceiro há tantos anos e pai do seu filho Kim. O mundo muda, vira do avesso, evolui e retrocede, mas as pessoas seguem buscando o amor de uma vida, algo que admiram na sua história. E é interessante que, quando vocês falam sobre relacionamento, nunca escondem o fato de brigarem. Lá atrás, eram brigas mais longas. Agora, as brigas não duram, mas fazem parte da realidade de um casal que se ama e se respeita. O que é a briga saudável em uma história de amor?
“A briga vai existir, é natural, e é bom você falar sobre ela.”

Bruna Lombardi: Olha, eu acho que casal briga por coisas pequenas, sabe? Coisas que vêm de fora, em geral. E a maneira como a gente reage é que provoca a briga. Se você for se afastar para enxergar melhor, não vai dizer: “Nossa, isso era fundamental”. Porque o fundamental a gente já estabeleceu. E vamos consertando o resto ao longo do caminho. Ninguém é perfeito e nenhuma relação é perfeita, está longe de ser, mas a gente vai se debatendo por coisas que, geralmente, vêm de fora. Não são nossas; são perrengues da vida. E você precisa estar constantemente no ajuste. A briga vai existir, é natural, e é bom você falar sobre ela. Antigamente, lá no começo da relação, você fica emburrado. Cada um vira para um lado e fica sem se falar (risos). É aquele orgulho, um sofrimento quase infantil! Depois de certa maturidade interior, você pensa: “Vamos enfrentar? Vamos olhar isso de frente e entender?” É um ponto crucial, quando entendemos o que está pegando e os motivos da pessoa. Se você tem bom senso, você se pergunta se quer plantar aquilo na sua vida. “É bom eu continuar sendo uma pessoa que vira as costas? Não, não é bom. Então, não vamos plantar isso. Vamos parar de dar as costas. Vamos superar esse problema.” E eu acho que isso exige um esforço da pessoa em realmente querer melhorar. Ninguém nasce perfeito, mas temos a missão de nos melhorarmos durante a vida. Se você está agindo da mesma maneira que agia há décadas, alguma coisa não evoluiu dentro de você. Eu acredito no diálogo sereno, sem ego e sem briga, quando você já superou a rebentação das águas, quando você conversa de uma forma civilizada e boa. Isso aí é vencer. É vencer os tumultos e a turbulência natural da vida. Um homem, quando é covarde, bate em uma mulher quando fica nervoso. Isso é covardia, é não querer enfrentar um problema, sentar, conversar, entender e superar.
Uma Revista: Voltando à literatura, escrever um romance também é um ato de exposição, que envolve coragem e uma dose de não se importar com julgamentos. Na sua trajetória como escritora, como encontrou esse clímax em que as palavras fluem sem medo?
Bruna Lombardi: Eu acho que, na hora de você escrever – e eu escrevo desde menina – é como se você canalizasse algum anjo, alguma coisa superior a você mesmo. Você não pensa em você, mas no que está escrevendo. Então, aquilo se torna muito mais livre do que você! Toda a criação é um espaço sagrado. Não tem nada a ver com você, com o seu ego, com o seu autojulgamento ou com o julgamento dos outros. A criação existe porque ela é necessária. Ela existe porque atende a um chamado. E eu acredito profundamente nisso! O escritor que mergulha no trabalho e faz isso com suor e lágrimas (risos), sabe? Esse nível de mergulho é sagrado. Não é mais a pessoa, mas algo maior do que a pessoa. Sempre acreditei nisso e respeito profundamente esse trabalho de criação em mim!
