Três vezes por semana, Leticia Wierzchowski nos leva para passear por memórias de mundo nos seus stories do Instagram. Contando pequenas histórias que vão do Rio Grande do Sul à Dinamarca, a escritora gaúcha nos aquece como se estivéssemos escutando sua narrativa ao redor da lareira. E a realidade da pandemia, por um momento, parece tão distante quanto alguns de seus tantos cenários. São faróis, piscinas, cartas de tarô e gerações inventadas na carreira da gaúcha que abandonou a faculdade de arquitetura, montou um atelier de moda e, no intervalo entre as clientes, iniciou uma história na máquina de escrever. Hoje traduzida para diversos países, a premiada autora de A Casa das Sete Mulheres será patrona da 35ª Feira do Livro de Bento Gonçalves e, atualmente, prepara o lançamento de suas duas próximas obras.
Clara Jardim: Como surgiu a ideia de contar pequenas histórias no Instagram?
Leticia Wierzchowski: Quando começou o distanciamento social, pensei em como eu poderia contribuir… Então, a resposta óbvia foi: contando histórias. Como Sherazade que salvou a sua cabeça e a de centenas de outras mulheres do reino ao contar histórias ao sultão, pensei que poderia ajudar as pessoas com um respiro da realidade. Uns minutinhos de alívio.
Clara Jardim: Entre os cenários e contextos de seus livros, encontramos um carinho especial pela Polônia, de onde seus antepassados vieram e continuaram um DNA de memórias. Quando pensa na história do povo polonês, o que passa pela sua mente?
Leticia Wierzchowski: Na verdade, eu queria reconstruir o passado da família para que meus filhos soubessem de onde vieram. Hoje, temos cidadania polonesa – e até isso veio das pesquisas que fiz para recontar a trajetória do meu avô Jan… O passado dos poloneses durante a Segunda Guerra e a ocupação alemã é muito forte, muito duro – gosto de usar como lição, como exemplo de que a vida não é fácil nem bonita às vezes, é preciso força para resistir e seguir em frente.
Clara Jardim: O Uruguai também é palco das suas histórias, e você adora visitá-lo. Quais características concretas ou abstratas fizeram você se apaixonar pelo país e trazê-lo para o seu trabalho?
Leticia Wierzchowski: O Uruguai é um país calmo, pouco populoso… Você pode caminhar numa praia deserta se quiser. Isso me alivia a alma, solta a minha criatividade. Por ser pequeno, também é um país afetuoso. Não sei, mas tenho muitas ideias quando estou lá. Nem sempre escrevo lá, mas anoto tudo para ir usando depois, durante o ano de trabalho…
Clara Jardim: Já brincaram que você pode ser a reencarnação da Anita Garibaldi, pois Giuseppe está muito presente na sua obra, e sempre representando um ideal de liberdade… Para você, o que é ser livre?
Leticia Wierzchowski: A liberdade é muito importante. Talvez escrever seja mesmo o meu reduto intocável de liberdade – ali, ninguém manda em mim, nem mesmo o tempo, pois posso subvertê-lo. Escrever é também se vingar da vida real, pois podemos refazer coisas, e com palavras o passado volta à vida de algum modo… Anita foi muito importante pra mim. Na verdade, eu aprendo com meus personagens, se estou num momento difícil, lembro: Garibaldi fez isso e aquilo, então me inspiro e resisto, luto. Liberdade é fazer aquilo que você acha certo. Ser dono da sua verdade, pensar por si próprio. E a literatura ensina a pensar.
Clara Jardim: Você já escreveu sobre lendas, e recentemente apresentou as mitológicas irmãs Moiras em um story. Como surgiu o interesse por esse universo?
Leticia Wierzchowski: Eu sempre gostei de mitologia – os mitos existem na vida de todos nós, fazem parte da consciência coletiva. Eles mostram o poder das histórias… Por isso, gosto deles. E uso estes arquétipos nos meus romances. No meu próximo livro, Assim o amor, que sai no final deste ano, as três Moiras contam parte da história, então elas andaram muito perto de mim nos últimos tempos…
Foto: Carin Mandelli