ENTREVISTA

Aljona Savchenko e Bruno Massot: Os patinadores falam sobre a experiência de conquistar a medalha de ouro e a perfeição nos últimos Jogos de Inverno, na Coreia do Sul

Por Clara Jardim

É como se Aljona Savchenko e Bruno Massot estivessem patinando desde vidas passadas. Ela, da Ucrânia. Ele, da França. Competindo nas Olimpíadas de Inverno na Coréia do Sul pela Alemanha, o par arrebatou o ouro histórico no dia 15 de fevereiro de 2018, mas mais que isso. Ao finalizarem a performance, tinham certeza de terem alcançado a perfeição.

Aqui, vamos chamá-los apenas de Aljona (pronuncia-se Aliona) e Bruno. E a reportagem, pelo nome da música que dançaram sobre o gelo, La Terre vue du ciel – ou A Terra vista do céu.

Pois é exatamente isso que eles nos revelam em cinco minutos e vinte segundos de patinação artística: a Terra vista de muito, muito longe. E conversei com eles para saber mais sobre essa história.

Nascida em Obukhov, Aljona começou a patinar aos três anos. Ainda muito criança, treinava em Kiev – uma viagem de duas horas – repetidas vezes ao longo da semana. Acordava ainda de madrugada para conseguir chegar na capital às seis da manhã. Foi aos 13 anos que se interessou pela ideia de dançar com um par, mas tinha medo de depositar tamanha confiança em outro patinador.

Em 2003, mudou-se para a Alemanha, o país que representaria nas quatro olimpíadas seguintes. Ganhou cinco títulos mundiais ao lado do patinador Robin Szolkowy – mas nunca o ouro. Nos Jogos de Inverno de Turim (2006), sexto lugar. Nas Olimpíadas de Vancouver (2010), o choro era de derrota ao receber a medalha de bronze. Na sequência, bronze de novo na Rússia (2014). Mas a história em cima das lâminas que cortam o gelo precisava seguir – não se pode parar, como diz Aljona; era preciso viver um ano de cada vez.

A parceria com Szolkowy chegou ao fim, e iniciou-se a busca pelo novo par. Um patinador que fosse elegante em seus movimentos e que pudesse literalmente jogá-la alto. Ao conhecer o trabalho do francês Bruno Massot, era óbvio que se tratava da melhor escolha possível e, após um demorado processo para que ele fosse liberado pela Fédération Française des Sports de Glace, a nova equipe estava oficialmente formada.

Bruno me conta sobre o choque inicial entre os dois: “Treinar com Aljona é muito difícil, assim como, na verdade, treinar comigo. O que eu quero dizer é que é sempre complicado aceitar a personalidade da pessoa ao seu lado, mas quando vocês têm um sonho, vocês criam compromissos. Então, é divertido!”

Hoje com 31 anos, o atleta explica que não tinha a mesma experiência da parceira. “Quando comecei com Aljona, eu estava muito atrás dela no caminho para o sucesso. Mas eu sabia que tinha algo para acrescentar a ela, então trabalhei duro. E funcionou.” Passou a arremessá-la tão alto que, nas primeiras vezes, a patinadora chegava a gritar. Hoje, ele brinca que nunca está alto o suficiente para Aljona. Também precisou se adaptar à rigidez da ucraniana em contraste com seu estilo de vida francês – sentia como se nunca houvesse treinado antes dela, tal o rigor.

Na trajetória de Aljona, foram 30 anos de trabalho e cinco olimpíadas para, na quinta, subir ao pódio principal e receber o almejado ouro. Ela chegou a guardar no porão todas as medalhas já recebidas, e só as traria de volta quando realizasse o sonho da mais importante delas – uma promessa cumprida. Hoje aos 36 anos, mora nos alpes, em Oberstdorf, e me conta a sua visão da própria história: “Para essa pergunta, eu vou dizer que é uma caminhada dura. É bonito, mas é tudo. É tudo! Bonito, porém, às vezes, estressante. No final, há o resultado… E o que criamos no gelo é o que nós amamos fazer. Tudo o que sentimos por dentro nós tentamos colocar completamente para fora. Tentamos criar uma peça de arte.” Com seu sotaque cheio de tons que vão da Ucrânia às cadeias montanhosas da Alemanha, ela acrescenta: “É muita caminhada, é o dia a dia. No entanto, é bonito.”

Bruno confessa não sentir o mesmo prazer que o seu par durante as competições, pois é quando atinge o esgotamento psicológico. Por causa disso, pergunto o que move a sua paixão pelo esporte, mantendo-o nas disputas. “Quando estou no gelo, é algo especial. Sinto-me livre. Livre de meus movimentos e emoções. Eu esqueço todos os meus problemas quando patino. Tudo começou quando eu tinha sete anos, quando minha irmã patinava e eu estava sempre na pista de gelo. Então, depois de tentar rugby e natação, eu fui para o gelo.”

De volta da Coréia do Sul, o par tirou um tempo das competições e se dedicou a shows artísticos para os fãs, além de ambos se aventurarem como treinadores. Mas Aljona deixa claro: estarão de volta nos próximos jogos. O que mais fazer no gelo depois de revelarem a Terra vista do céu? Ainda não sabem, mas o universo inteiro está em cuidar de bebês agora. Falando nisso, Aljona e o marido, Liam James Cross, já têm o costume de levar a filhinha Amilia, nascida em 2019, para o gelo. “É um sentimento inacreditável! Estar com a minha bebê e patinando é simplesmente maravilhoso. Talvez um dia, ela também desejará patinar e gostará tanto quanto eu gosto”, conta Aljona. “Deixa-me muito feliz poder mostrar a patinação para ela desde já, nessa idade!”

Bruno e a esposa, Sophie Levaufre Massot, são pais de Louka, e tiveram Charlie neste ano. O mais velho, claro, já experimentou a sensação de patinar nos braços do pai. “Ele ainda é muito pequeno para entender o que a patinação significa para mim e como ela mudou minha vida”, afirma. No entanto… “já me viu patinando e também já patinou comigo.” 

Ainda faltam 16 meses para Pequim 2022, e a história deles segue em aberto para as próximas performances. Mas, mais que nunca, é hora de viver um inverno de cada vez.

Um agradecimento especial à artista polonesa Zosia Witaszczyk, que cedeu sua ilustração para a matéria.