ENTREVISTA

As cores de Chico Baldini: Depois de vender a agência que cofundou para uma multinacional, o publicitário fala sobre a nova fase, inteiramente dedicada à arte, e revela se azul é mesmo a cor mais quente

Por Clara Jardim

Co-fundador da agência gaúcha W3Haus, recentemente vendida para a multinacional Stefanini, o publicitário Chico Baldini passou a se dedicar integralmente à carreira de artista plástico em 2020, já tendo exposto seu trabalho no Canadá, Alemanha e França. Com experiência na ilustração de livros e na criação de painéis para espaços arquitetônicos, ele fala à Uma Revista sobre a narrativa de suas obras e revela se o azul é mesmo a cor mais quente.

Clara Jardim: Seu trabalho narra histórias em traços e evoca enredos. Mitologia, Poesia, até mesmo História… Quais são suas maiores referências no momento?
Chico Baldini: Sempre gostei de mitologia, das histórias de povos antigos, de culturas ancestrais. A arte pré-colombiana é uma grande inspiração, pois ela faz uma conexão imediata com o inconsciente. Eu gosto muito de desenhar animais ou personagens meio-gente, meio-bicho. Às vezes, fico com uma fixação em algum. Tenho gostado de desenhar onças. Em nosso país, estamos passando por um período muito estranho, uma tragédia sem precedentes, um desrespeito escancarado pela natureza justamente por quem deveria a estar defendendo, zelando pela preservação desse patrimônio imenso que, por acaso, está em nossas mãos.

Clara Jardim: Você já ilustrou a capa de livros da escritora Leticia Wierzchowski, incluindo a trilogia que começou com a Casa das Sete Mulheres. Da amizade, surgiu uma brincadeira: você fazia um desenho e a Leticia tinha de escrever uma história de acordo com o que você houvesse desenhado. Como foi viver essa troca criativa?
Chico Baldini: É uma delícia! É uma dança entre palavras e imagens, volta e meia ainda trocamos umas histórias e pinturas. Para o meu processo criativo, ter uma interlocutora como a Letícia é super-rico, alguém que também cria, mas de uma outra forma, complementar. Nas nossas conversas diárias, surgem ideias para projetos; investigamos ideias, possibilidades. É uma inspiração diária.

Com a ilustração de Anitta Garibaldi para a capa do livro Travessia, de Leticia Wierzchowski

Clara Jardim: Lápis de cor e papel. Qual a importância das crianças soltarem a imaginação criando imagens em vez de apenas consumirem conteúdo pronto no celular?
Chico Baldini: Desenhar é uma forma de organizar os pensamentos, assimilar experiências, estruturar raciocínios. O ato físico de desenhar, o contato com o lápis, o papel, além de estimularem a motricidade fina da criança, empoderam ela com a possibilidade infinita de lançar para o mundo a sua imaginação. É muito importante que os pais providenciem um ambiente propício a essa experimentação.

Clara Jardim: Viver de arte é um desafio no Brasil. Que conselho você dá para quem está começando o caminho agora?
Chico Baldini: Persistência. Estudar sempre. Sair da zona de conforto. É importante entender que existe todo um universo de arte aplicada que expande as possibilidades para os artistas. Acho que os canais sociais são um atalho para o artista encontrar o seu público. Trabalhar, mostrar, persistir.

Clara Jardim: Muitos dos seus trabalhos parecem ter saído de um sonho, e cheios de significados. Se 2020 fosse uma pintura sua, qual seria?
Chico Baldini: Gente! Seria um desses bichos estranhos, de boca aberta de onde saem coisas absurdas e incríveis. É um ano cheio de surpresas, tragédias, oportunidades, barulho e silêncio. É um ano de encontro, de observar e de aprender a reagir ao inesperado.

Clara Jardim: Para encerrar a entrevista, aproveitando que suas cores são sempre muito marcantes… o azul é mesmo a cor mais quente? Senão, qual?
Chico Baldini: Tudo depende de qual cor estará ao lado do azul. Se for o violeta, sim. Se for o vermelho, não. E isso pode ser aplicado a todas as cores e a algumas coisas da vida!