ENTREVISTA

Sheila Makeda, a mulher periférica que virou empresária de sucesso: “Eu sempre tirei as minhas ideias do papel sem dinheiro; é o método Vai com Tudo, chama os amigos, quem puder, e vai com tudo”

Por Clara Jardim

A história de sucesso da empresária Sheila Makeda começa pela determinação de sua mãe.

Sandra buscava independência financeira para se libertar de uma situação de violência doméstica e, depois de vender bolo e cachorro-quente de porta em porta, estudou para ser cabeleireira. Com o curso de beleza, participou de uma seleção e foi escolhida para trabalhar em uma empresa americana de cosméticos que havia vindo para o Brasil. As filhas se uniram à mãe, especializando-se em cabelos crespos e cacheados. Juntas, abriram um salão de beleza onde atenderiam mais de 30 mil clientes, e não demorou para que grandes empresas as convidassem para ministrar cursos. Em alguns anos, Sheila criaria a Makeda Cosméticos em família, com loja, salão de beleza e uma linha de produtos que vem se expandindo.

Em entrevista à Uma Revista, a empresária conta detalhes da trajetória e compartilha dicas preciosas de empreendedorismo.

Clara Jardim: Desde cedo, sua mãe a ensinou a valorizar seus projetos de vida. Ela também foi a grande responsável por você ter começado a empreender. Como se sentiu inspirada por ela para dar os primeiros passos?

Sheila Makeda: Ela havia se separado do meu pai, sofria violência doméstica. Resolveu dar um basta naquilo tudo, então, começou a empreender. Vendia lingerie, vendia cachorro-quente, vendia bolo… E, em tudo o que fazia, ela me levava. Assim, aprendi a empreender desde muito pequena, com a força dela. Era a minha grande mentora. Ensinou-me a tratar com o cliente, a ser organizada. Foi uma mulher que nunca se deixou abalar pelos desafios, pois sempre encontrava uma solução. A gente brinca que ela tinha o método Solução. “Sempre tem uma solução.” Por mais desafiador que fosse, minha mãe solucionava, e sempre através do empreendedorismo. Ensinou-me a valorizar não só os projetos de vida, mas a respeitar as pessoas. Ela era muito nobre, e sempre queria ajudar as outras pessoas. Mais do que trabalhar, era alguém que servia, que queria dar o melhor de si para o outro. Tinha essa consciência de ter uma missão, e passou isso para a gente. Recebeu esse legado da nossa ancestralidade, através do empreendedorismo. Eu venho de uma rede de mulheres ancestrais que têm o empreendedorismo na veia. E foi através do empreendedorismo que elas conseguiram modificar a sua vida, fazer coisas diferentes. Mulheres que cozinhavam, que bordavam, faziam doces. Tenho uma tia de 80 anos que até hoje faz. O empreendedorismo está na nossa veia; é ancestral mesmo.

Clara Jardim: Muita gente tem excelentes ideias, mas não consegue tirá-las do papel por causa do impedimento financeiro. Como você fez para tornar o seu projeto, pouco a pouco, viável?

Sheila Makeda: Eu tive todos os impedimentos financeiros. Não só financeiros, mas por ser mulher, por ser negra e por ser periférica. Fiz um trabalho de promoter e consegui quatro mil reais em 2010. Investi tudo. Quando eu chegava nas fábricas, eles me olhavam como se eu fosse nada. “O que você está fazendo aqui?” Às vezes, ter dinheiro também não adianta. O dinheiro não era muito, e eu era olhada assim por isso. Mas eu sempre tirei as minhas ideias do papel sem dinheiro. É o método Vai com Tudo. Chama os amigos, quem puder, e vai com tudo. Sempre aprendi a dar um jeito. Esse é o método da minha mãe. Tudo tem uma solução. Na época, não tinha internet, eu ia para a lan house. Pedia ajuda da vizinha… Tudo você dá um jeito. Eu fiz isso. Não tenho dinheiro? Vou fazer o trabalho de promoter. A fábrica não me trata bem? Vou procurar outra fábrica. Não tem fornecedor que me trate direito? Procuro outro. Até eu encontrar uma possibilidade. Acredito nesse método.

Clara Jardim: A Makeda Cosméticos conta uma história linda de muita determinação, talento, trabalho e tino para os negócios. Qual o conselho que você daria para as empreendedoras com dificuldades?

Sheila Makeda: O conselho que eu dou para essas mulheres que estão começando a decolar o seu negócio é cercar-se de pessoas positivas, ter mentorias, fazer um bom planejamento. Às vezes, parar de olhar demais para o planejamento e dar uma endoidada – é importante também, mas sempre com o pé no chão. Essas loucuras que a gente faz no empreendedorismo mudam o rumo. Porque, às vezes, a gente está em um caminho muito lento. Há um outro caminho pela esquerda ou direita que pode ser muito legal. É bom olhar para os lados e ampliar a visão. Organizar-se. Estudar as empresas que têm o mesmo negócio que o seu. Ver no que erraram e acertaram para que você possa ser mais assertiva. Tenha uma pessoa que possa te mentorar. Alguém para quem você possa ligar, mandar um Whatsapp a qualquer momento. De preferência, alguém que tenha tido um negócio como o seu ou que tenha tido experiência. Pois a mentoria traz uma coisa muito importante: ela otimiza o tempo para você. Passaria 10 anos lutando no mesmo lugar, e a mentoria otimiza em um ano. Vai ter dificuldade? Vai. Mas isso vai facilitar para que você tenha uma dificuldade menor. Outras dicas: tenha um grupo de mulheres que empreendem. Rede Mulher Empreendedora, Mulheres do Brasil… Faça um grupo você mesma, mas tenha um grupo. De preferência, mulheres que tenham mais experiência que você; cerque-se delas. No momento em que você estiver perto de desistir, elas te darão um chacoalhão para não fazer isso. Outro conselho é fazer o Business Model Canvas, que dá um norte. Trabalhe o autoconhecimento, as crenças limitantes. Muitas vezes, a dificuldade é mais nossa que externa. Fiz o curso de Thetahealing, gosto muito de trabalhar com física quântica. Observar como estou vendo o mundo. É preciso usar frases positivas, pensar que vai dar certo, que é possível – lógico, com o pé no chão, mas mudar a forma de pensar. Acredito muito na rede de conexões de pessoas que te levam aos lugares onde você tem de ir, onde você tem de estar. Confie. Enquanto você estiver empreendendo, haverá um momento em que nada estará acontecendo – aparentemente. Mas é invisível, e você verá que muita coisa está acontecendo no tempo certo. O autoconhecimento leva ao amadurecimento, que leva você para onde você tem de estar no tempo certo. Não tenha pressa. Empreender é isso, um passo de cada vez. A pressa vai atrapalhar. Respeite o tempo das coisas, lidere suas crenças, seu modo de ver a vida. Agradeça a tudo o que já aconteceu, por mais desafiador que tenha sido. Agradeça aos “nãos” que vieram. Digo que todos os “nãos” que recebi foram muito importantes para que eu estivesse onde estou agora. Na hora, você não entende, mas pode ser um livramento. O “não” pode estar livrando você de um grande problema e, lá para frente, você entenderá. Também trabalhei uma crença ancestral de que dinheiro não era para mim… Dinheiro é bom, eu quero. E quero trabalhar com algo que me dê prazer. Coloque o que você deseja nas paredes, no celular, no papel. Veja todos os dias e aprenda a manifestar.

Clara Jardim: Um dos maiores triunfos do seu negócio é deixar cabelos hidratados, cachos definidos e autoestimas elevadas. Além dos seus produtos, você representa a valorização da autenticidade, do autocuidado e da visibilidade. Qual seu maior objetivo com o novo projeto Makeda Terapeuta?

Sheila Makeda: A Makeda iniciou em 2012. Mas antes disso, em 2006, deixei o meu cabelo crescer de forma original por conta do teatro, e não encontrava produtos para ele. A Makeda nasceu dessa necessidade minha e do círculo de amigas. Em 2018, participamos da aceleração Mulher Empreendedora, que trouxe para nós uma amplitude de olhar. Aí que nasceu o projeto Makeda Terapeuta. É um treinamento profissional em cabelos crespos e cacheados. São mulheres formadas por nós em uma técnica que criei em 2006. Chama-se Lipidiomakeda Terapia, que é uma técnica de tratamento natural à base de óleos vegetais com um resultado muito eficaz e bonito, sem química – algo muito procurado hoje. Formamos essas mulheres, que recebem um kit de produtos e acessórios. E elas vão atender em domicílio na sua comunidade. Depois de um ano, têm um plano de crescimento, podem montar um espaço para atender suas clientes. Também, uma plataforma digital nasceu no site da Makeda Cosméticos. Nessa plataforma, crespas e cacheadas encontram os lugares onde podem ser atendidas. Já estamos em alguns estados. Nesse ano, o projeto foi paralisado por conta da pandemia. Mas fizemos uma campanha para contemplarmos mulheres com bolsas integrais, além de parcerias com madrinhas que dão mentorias. E a nossa ideia é expandir para mais estados. Meu maior objetivo é ajudar mulheres – principalmente mulheres negras – a serem protagonistas da sua história. A acreditarem no seu potencial. O cuidado com os cabelos cacheados vem desde as tribos africanas, onde as mulheres cuidavam do cabelo umas das outras. Na Makeda Terapeuta, a mulher sai pronta para o empreendimento, com a técnica nas mãos e um kit de produtos e acessórios. É fácil para começar, não tem gasto. Leva cuidado e beleza, vende o serviço e revende os produtos Makeda – nos quais ela tem descontos. O empreendedorismo, que eu acredito que vá salvar o Brasil, pode salvar a vida de algumas mulheres que estão perdendo a esperança por serem negras, periféricas. O empreendedorismo é como podemos mover o Brasil sem ter de esperar que venha das lideranças – principalmente de uma liderança atual, nesse momento crítico em que estamos. Gosto de fazer minha parte, solucionar. Não gosto de ver o que não está funcionando e ficar esperando. O empreendedorismo não move apenas a Makeda, mas a vida dessa mulher. A vida da família dela. Essa mulher impactará a vida de outra mulher, a quem levará cuidado. E moverá a microeconomia do seu bairro, pois vai comprar no mercadinho de alguém. Ela vai mover uma cadeia e, como diz Angela Davis, quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.

Clara Jardim: Sua mãe iniciou essa jornada, lá atrás, para ser independente. Hoje, o que essa independência representa para você e sua família?

Sheila Makeda: Representa a liberdade de poder pensar, de se expressar. A liberdade de poder criar através de um projeto lindo. Nossa mãe nos mostrou isso. Quando ela se separou do meu pai, mostrou, através de uma ação, que não é preciso sofrer. Hoje, a independência é primordial para mim. Então, eu não fico em um lugar onde não me sinta bem. Se algo bom não está sendo servido, eu saio. Acho que minha mãe nos mostrou, na prática, que temos as coisas mais lindas da vida quando temos independência. Que é a liberdade de ir e vir. Isso representa força para nós como mulheres, ainda mais vindo de onde eu vim. Foi uma quebra de crenças muito grande, principalmente quando se separou, pois a mulher separada era vista com olhos tortos. Apesar de não estar fisicamente presente, minha mãe é a maior referência para todos na família. Mas, na época em que se separou, ela foi criticada e julgada pelos familiares. Na verdade, ela era a mulher que buscava a sua liberdade. E eu acredito nisso, nesse legado. Ir atrás dos seus sonhos e fazer o que você quiser da sua vida.

Fotos: Luíza Matravolgyi