ENTREVISTA

Alguém está perseguindo você? Leia a entrevista com o Delegado Dário Freitas, da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), sobre os crimes de Stalking e Cyberstalking

Por Clara Jardim

Você não imaginava, mas descobriu que está sendo perseguida. Cada movimento online pode ter sido meticulosamente acompanhado ao longo da semana, e mesmo as pessoas com quem você interage podem estar na mira. Assustador? Chama-se cyberstalking, tão real quanto o stalking nas ruas e que, cedo ou tarde, pode se transformar em um pesadelo. A perseguição, no geral, consiste em ameaças à integridade física ou psicológica da vítima, afetando a sua capacidade de locomoção e causando a perturbação da sua liberdade ou privacidade.

Sendo assim, é importante deixar claro que a perseguição virtual (por exemplo, mensagens intimidatórias ou o envio de fotos indesejadas) configura, sim, um perigo real, com possibilidade de consequências irreversíveis. Como se defender desta prática obsessiva?

Em abril de 2021, foi sancionada a Lei 14.132, que criminaliza as perseguições insistentes, incluindo o cyberstalking. A pena prevista é de seis meses a dois anos de reclusão, além de multa. No entanto, o stalking – termo inglês para perseguição – não é nada novo. Está, muitas vezes, diretamente conectado à violência contra as mulheres e pode ocorrer sob pretextos como o ciúme, a inveja ou o desejo de vingança. Destaca-se que, no caso de vítimas crianças, adolescentes ou idosas, a pena para o crime de stalking é aumentada; o mesmo ocorre para as vítimas mulheres em qualquer idade.

À medida que a sociedade se torna cada vez mais conectada por meio da tecnologia, criminosos expandem os horizontes do cyberstalking, deixando as vítimas impotentes diante do seu poder de alcance. Mas há medidas indispensáveis para coibir assédios, e o delegado Dário Freitas, que atua na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), no Distrito Federal, compartilha informações essenciais sobre como prevenir e interromper perseguições, salientando que a prática pode causar traumas e danos irreparáveis à imagem e à honra da vítima, especialmente no campo cibernético.

Foto: Divulgação

Clara Jardim: Para começarmos, quem são as pessoas que praticam a perseguição?

Delegado Dário: Nós temos observado que os que praticam crimes como o stalking e o cyberstalking são pessoas que demonstram uma baixa capacidade emocional para lidar com os problemas cotidianos e uma dificuldade acentuada de lidar com a rejeição e as frustrações. Então, temos um problema. Pois essas pessoas passam a escalar uma fixação por outra pessoa, evoluindo para violações físicas, incluindo violações sexuais.

Nos casos quando uma medida protetiva é desrespeitada, Dário salienta que a lei conhecida por Maria da Penha pode ser aplicada, pois o descumprimento de uma decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência prevê uma detenção de três meses a dois anos; se houver flagrante, a fiança só é concedida por uma autoridade judicial. No caso de o perseguidor voltar a procurar a vítima, esta deve relatar a perturbação à Delegacia de Polícia imediatamente.

Clara Jardim: E quanto às vítimas de perseguição?

Delegado Dário: No caso das vítimas, os estágios pelos quais elas passam até se reconhecerem como vítimas são complexos. Pois é um crime que exige habitualidade. O indivíduo pode demorar para perceber que é vítima, porque o assédio, sobretudo no início, pode se confundir com comportamentos corriqueiros, inocentes, carinhosos. “Posso estar enganada. Não, isso não está acontecendo comigo.” A pessoa pode não perceber que a situação já passou da esfera comum para a criminal. Já é vítima do crime de stalking ou de cyberstalking, mas tem medo de estar reagindo exageradamente à abordagem. Na minha experiência, quando as vítimas se dão conta de que estão sendo perseguidas, elas ficam sem saber como agir. Essa validação de que a pessoa está sendo vítima é penosa, pois o nosso meio social não dá muita credibilidade a ela e não faz o devido reconhecimento da gravidade do que pode acontecer à vítima.

Dário reforça que as abordagens mais comuns do cyberstalking são o envio excessivo de mensagens ameaçadoras por e-mail, por aplicativos como o Whatsapp e o Telegram ou pelas redes sociais. Ainda, há perseguidores que divulgam informações pessoais da vítima na internet, invadem aparelhos eletrônicos para tentar o acesso a contas pessoais e, entre outras práticas obsessivas, enviam vírus e programas nocivos. Por isso, é imperativo que a vítima adote medidas para se preservar, como uma rotina segura, o aumento da segurança em seus deslocamentos, na sua casa e no trabalho, além de avisar os familiares e amigos que tem sofrido perseguição. Também é importante não ceder às tentativas de interação do perseguidor (demonstrações de respeito e consideração por um obsessivo amoroso podem encorajar o seu comportamento). E, se necessário, obter medidas protetivas de urgência, buscando estar sempre em locais seguros.

Clara Jardim: O que a sociedade precisa ter em mente sobre o stalking e o cyberstalking?

Delegado Dário: Algumas percepções básicas são importantes. Inicialmente, a vítima pode acreditar que está sendo paranoica, mas é essencial que ela não perca a racionalidade e que esteja atenta ao seu instinto diante de uma situação bizarra ou assustadora. Em regra, ninguém dá atenção ao assunto no começo. Em caso de suspeita, as pessoas devem manter os seus familiares informados sobre os acontecimentos e descobertas. E, para uma investigação policial, é essencial que a vítima tenha conservado todo e qualquer elemento de prova. Não adianta a pessoa ficar nervosa e deletar tudo do celular. O problema não vai desaparecer.

Em tempos de múltiplos golpes por meio da tecnologia, muitas vítimas relatam ter o medo de que os seus smartphones sejam hackeados por stalkers – uma prática que configura crime de Invasão de Dispositivo Informático. Assim, o delegado aponta que uma medida para se proteger de programas usados como ferramenta de espionagem (os chamados stalkerwares) é bloquear a instalação de programas desconhecidos nas configurações do dispositivo eletrônico.

Clara Jardim: Como tem sido a sua experiência nesta área?

Delegado Dário: A minha experiência tem sido firme, e a polícia tem atuado incessantemente no combate a esses crimes. Temos observado que se trata de um problema social em constante crescimento, pois, apesar de se tratar de uma legislação recente, há um aumento no número desses crimes. Não estamos combatendo um crime contra a honra – injúria ou difamação. É uma conduta que está em curso, com uma gravidade acentuada. Porque os autores atravessam o limite entre a admiração saudável e a obsessão dentro de um relacionamento. Vira um voyeurismo doentio. É a perseguição, o constrangimento, a caçada a uma pessoa.

Segundo o delegado, a lei está ajudando as vítimas de maneira efetiva, e uma boa investigação criminal depende, fundamentalmente, como em qualquer delito, da produção probatória que pode ser auxiliada pela vítima. Quais provas confirmam um crime de cyberstalking? Precauções como a preservação de conversas, imagens, capturas de telas, vídeos, URLs de links com postagens (para casos de remoção de conteúdo) e a realização do backup de contas para fins de investigação criminal ou para a perícia.