Para o mundo, Eduardo Alonso é um respeitado head coach de MMA, acompanhando Demian Maia e Shogun Rua, entre outros atletas, há muitos anos. À parte da desgastante dinâmica de treinos e tudo o que envolve estar no Ultimate Fighting Championship (UFC), quem acharia tempo para se dedicar a um projeto igualmente árduo? Eduardo iniciou seus estudos na gastronomia de alta performance nas poucas horas vagas. Além de mergulhar em pesquisas e participar de cursos com diversos chefs renomados, também fez da sua cozinha um laboratório particular, onde prepara de tudo. Tornedor de filé mignon, strogonoff à brasileira, receitas de outros continentes… Família e amigos, claro, já saem de um jantar aguardando o próximo convite. Mas tal como a cozinha francesa não há, e foi quando Eduardo entrou para a escola do Chef Laurent Suaudeau que a paixão pela culinária atingiu um novo patamar: de pesquisador e entusiasta à cozinheiro em formação. Hoje, ele é o aluno que detém o recorde de módulos – e workshops – feitos em apenas um ano na Escola Laurent. Como funciona essa rotina de grandes paixões?
Em entrevista à Uma Revista, Eduardo fala de cozinha, MMA e estratégias para viver seus projetos em modo cem por cento.

Clara Jardim: Vamos começar com um conselho… O que você diria para quem pensa em se jogar no mundo da gastronomia da mesma forma que você o fez?
Eduardo Alonso: O principal conselho que posso dar é uma coisa que sempre ouvi do Chef Alex Atala. Hoje, entendo. É saber que você tem de querer ser – e será – um cozinheiro. Ser um chef de cozinha é uma consequência do seu sucesso e capacidade, não apenas de cozinhar, mas de planejar e liderar. Nem todo grande cozinheiro vai ser um grande chef; no entanto, todo chef precisa ter sido um bom cozinheiro, com grande capacidade de organização e criatividade. A essência da profissão é a cozinha. Então, o chef nunca deixa de ser cozinheiro. E o caminho para chegar a esse nível de experiência é muito duro. É uma profissão dificílima. Você faz sacrifícios como abrir mão de datas, horários, sono e vida pessoal.
Há, inclusive, muita semelhança com o mundo da luta. São profissões que pedem uma força psicológica muito grande. É um ritmo alucinante, pressão, superação e querer muito, pois demora para conseguir um lugar ao sol. Ganhar dinheiro, status e sucesso é para uma minoria. Há quem busque a glamorização; assistem a um grande chef na televisão, mas não sabem quantos sacrifícios fez. E você não consegue inverter essa ordem.
É igual à luta. Ninguém entra no UFC sem passar por anos de treinamento, tendo força de vontade, acordando cedo, abrindo mão de uma alimentação mais prazerosa. Tem de fazer pelos motivos certos, o resto é consequência. Do mesmo jeito que precisa gostar da luta, treinando o máximo que puder para, um dia, chegar em algum lugar, precisa querer ser um grande cozinheiro.
Clara Jardim: Vamos misturar os assuntos… Para a gente entender a rotina de um head coach de MMA, como funciona o seu trabalho, desde os treinamentos até as lutas nos eventos do UFC?
Eduardo Alonso: É um trabalho muito desgastante, especialmente dentro do meu perfil. Gerencio e supervisiono realmente todos os aspectos. Desde dieta, perda de peso, estratégia, treinamento, intensidade, carga de treino, parceiros de treino, quem e como. Tenho uma equipe sensacional que me ajuda, mas eu estou presente em todos os treinos.
Clara Jardim: E como é na prática?
Eduardo Alonso: Vamos dizer que o UFC oferece um adversário e você aceita. Normalmente, a primeira coisa a fazer é estudar as lutas do cara. Passo esses vídeos também para os treinadores. Quando fecho o acordo, organizo em transferências de arquivo e mando para todo mundo trazer um feedback. Faço a mesma coisa. Com base no conhecimento que tenho do meu atleta, no que estudei do adversário, no feeling do momento e no objetivo, construo o camp.
Organizo quais serão as etapas e como vou distribuir cada uma delas pelas semanas que temos para fazer uma progressão natural e atingir os objetivos físicos e técnicos em tempo. Passando essa fase de base, entramos na transição. É quando começa um híbrido entre a base técnica, que você já construiu, e a parte intensa, a mais real da luta, e com a aplicação tática que você já tem em mente. Nesse momento, você começa a diminuir um pouquinho o tamanho dos treinos. Aumenta a intensidade deles, coloca mais elementos de MMA e táticos. Observa o que está funcionando e o que não está.
Depois, entramos na fase de alta intensidade. Treinos curtos, muito duros e o mais reais possíveis. Você vai induzindo o seu atleta a situações que o adversário vai tirar dele. Muitas vezes, precisa setorizar as situações, pois é difícil um companheiro de treino conseguir imitar o adversário com essa precisão por três rounds. Então, cada um desempenha uma função. Há treinos que puxo que são sparrings setorizados, com vários companheiros de treino entrando e repetindo situações específicas.
No final, uma semana ou quinze dias antes da luta, você vai para a fase de polimento. É quando começa a preservar o atleta para não haver risco de lesão. Diminui o número total de treinos, faz o polimento tático, muitas repetições específicas daquelas situações, e a perda de peso. Ao longo de todo esse processo, marco com o atleta e todos os treinadores; então fazemos sessões coletivas de vídeo para ver detalhes.

Clara Jardim: Nesse ritmo acelerado do UFC e tantas demandas, como você foi parar na gastronomia?
Eduardo Alonso: Comecei a me interessar e a estudar no final de 2017. Em 2020, entrei para a Escola Laurent. Inclusive, considero os workshops de um custo/benefício gigantesco. Fiquei encantado pela paixão do Chef Laurent em ensinar a técnica. Sua didática, o gestual, a generosidade ao transmitir conhecimento. É impressionante! Fiz o primeiro curso e não parei mais. De lá para cá, já foram 20 módulos. E perdi a conta dos workshops. São cardápios de uma noite (entrada, prato principal e sobremesa). Você acompanha toda a confecção, aprende e degusta. Já os cursos têm duração de uma semana, e são específicos, por temática. Cursos de base, carnes e aves, peixes e crustáceos, molhos, confeitaria, panificação, em diferentes volumes. Habilidades gestuais, design de pratos. Evidentemente, culinária francesa com o Chef Laurent. Cursos específicos com chefs convidados – Oscar Bosch, Paulo Shin, Renato Carioni.
Uma curiosidade é que acabei me tornando o aluno que mais fez cursos na história da escola, e os fiz em menos tempo. É muito gratificante. Estudar com o Chef Laurent se trata de uma janela de oportunidade, pois não existe paralelo. Quem conhece a história da gastronomia do Brasil sabe do que estou falando. Há ótimos professores em outros cursos, mas ninguém com a história do Chef Laurent e disponível para ensinar. Veio direto do movimento da nouvelle cousine, tendo trabalhado com alguns dos cozinheiros mais celebrados, como Paul Bocuse e Alain Ducasse. Veio para cá como representante deles e revolucionou a cozinha brasileira por meio de ingredientes nossos, dentro de uma lógica de alta cozinha da culinária francesa. Teve, por anos, o melhor restaurante do Brasil. Seu pioneirismo, seu legado… Você tem outros cozinheiros com essa qualidade e currículo, mas que estão na televisão ou ainda comandando restaurantes premiados – como o Chef Laurent já o fez no passado.
Clara Jardim: Tem restaurantes favoritos pelo mundo?
Eduardo Alonso: Perdi oportunidades, pois passei muitos anos vivendo só para a profissão. Fiz muitas viagens pelo mundo inteiro sem degustar, sem passear, sem aproveitar. De um tempo para cá, entendi que precisava achar esse equilíbrio; viver minha vida, não só a vida dos meus clientes. Muito recentemente, refletindo com a idade, comecei a usufruir. Um parênteses, antes da gastronomia, eu tinha um paladar infantil. Aquele típico cara que, além de não saber cozinhar, só comia bife, batata frita, hambúrguer. A gastronomia abriu o leque. Comecei a provar e a cozinhar de tudo. Nesse alto nível, não faz muito tempo, mas estar na escola acelerou o processo.
Ainda, veio a pandemia. Por isso, não tive grandes oportunidades de degustação em outros países. Nossas viagens de luta foram feitas em bolhas, tanto para Abu Dhabi quanto para os Estados Unidos. Ficávamos restritos ao hotel. Curiosamente, surgiu a oportunidade de cozinhar para a equipe, que foi uma grande novidade. Então, além de manager e head coach, também passei a ser o cozinheiro. Foi uma loucura do ponto de vista de carga de trabalho, mas muito gratificante. Inclusive, comecei a ensinar alguns dos atletas – caso do Matheus Nicolau – a cozinhar. É muito bacana ver a satisfação que isso traz.
Da última viagem, posso citar o restaurante Lord Stanley, em São Francisco, que tem uma estrela Michelin. Transformou-se em um Turntable, então, recebe chefs convidados que assinam cardápios de degustação por períodos de um mês. Quando estive lá, conheci o Chef Julio Martin Baez, que tem o Julia em Buenos Aires – um excelente restaurante. Foi uma experiência incrível degustar o menu preparado por ele e depois bater um papo. Falei que era aluno do Chef Laurent, e ele me convidou para ir à cozinha. Foi muito legal.

Clara Jardim: Depois de todas essas viagens a trabalho, tenho que perguntar a curiosidade que paira no imaginário de muitos fãs de MMA. Como você descreve os bastidores do UFC?
Eduardo Alonso: O UFC é glamourizado para quem está de fora, mas é um campo de trabalho muito árduo. Não só a luta em si, mas o contexto todo. Difícil de entrar e mais difícil ainda de se manter. São interesses diversos, e é complicado conseguir cruzar o seu interesse com os interesses do evento, do adversário e seja lá do que for. Como tudo na vida, há um pouco de sorte e azar envolvidos. Cito um exemplo nosso. Quando o Demian finalmente conseguiu a disputa de cinturão, além de estar mais velho, nós demos o azar de o Woodley ser o campeão naquele momento. Era um cara com quem o jogo não casava. Sabíamos desde sempre que era um jogo ruim para o Demian, que merecia ter tido a chance antes. Tem esse lance de estar no lugar certo, na hora certa.
Se eu posso fazer uma analogia, a carreira no UFC é uma maratona. Resistência, perseverança, continuidade, solidez e consistência no trabalho. No pôquer, há pessoas com uma capacidade matemática muito grande, que jogam baseadas em estatística. E, teoricamente, se você tomar as decisões certas sempre, por mais que o azar te atinja, a matemática vai prevalecer no longo prazo. Você vai ter resultado. Mas se o atleta vai para o UFC pensando que viajará toda hora para Las Vegas, ele já está com o pé na porta para sair.
Hoje, a competitividade é muito grande, e não há espaço para o glamour. Sei lá quantas vezes eu estive em Las Vegas, e acho que fui apenas uma vez até a piscina do hotel. Não há tempo ou espaço. Quanto mais você sobe, mais demanda você tem. Toda vez que vai para uma luta, sabe que sairá de lá melhor ou pior; não existe sair da mesma forma que entrou, e o prejuízo é sempre maior do que o lucro.
Então, o cara precisa fazer isso por vocação. Na minha opinião, mais importante do que capacidade técnica é a capacidade mental de passar pelo processo. E é um funil, pois nem 5% dos atletas talentosos conseguem chegar a algum lugar. Há todos os motivos para dar errado. Para managers e head coaches, ainda mais motivos. Para a porcentagem que você ganha fazer diferença na sua vida, seu atleta precisa ultrapassar diversas barreiras e fazer muito sucesso. Nesse meio tempo, ele pode se lesionar, mudar de equipe ou até mudar de país, e você ficar sem atleta. Então, mesmo para os treinadores, esta é uma carreira que a pessoa faz porque gosta.
Clara Jardim: Como você dá conta de todos os rituais e do nervosismo antes de uma luta?
Eduardo Alonso: Uma tática básica é transformar a rotina em pequenas obrigações por dia. Por exemplo, fomos para um evento do UFC em Brasília. Chegamos na segunda, e a luta é no sábado. A primeira coisa é fazer o check-in no hotel, organizar as coisas e dormir. No dia seguinte, fazemos um treino. Depois, assinamos os pôsteres e preenchemos os papéis que o UFC precisa que preenchamos de última hora. Fazemos as compras no mercado para a dieta do atleta. No caso do Demian, a gente cozinha no quarto do hotel para garantir que ele só coma aquilo que precisa e pode comer para bater o peso. Fazemos mais um treino, comparecemos à entrevista marcada. Levo a equipe para jantar. E assim a gente vai… Um dia de cada vez.
Se começar a pensar no sábado, vai ficar maluco. Você precisa focar nas tarefas daquele dia, e eu sou o catalisador para lembrar de todos os detalhes, como os suplementos que o médico pediu para tomar em determinada refeição. Puxo o treino, os treinadores supervisionam. Repetições, trabalho psicológico, lembrar o atleta de todos os gatilhos táticos. Observar se o peso dele está descendo, equilibrar com o treino da noite para ter um gasto a mais. Mais entrevistas, lembrá-lo de usar a roupa do patrocinador. Minha cabeça fica ocupada o tempo inteiro com mil responsabilidades.
Quando chega a sexta-feira à noite, pós-recuperação de peso e reidratação, cai a ficha e começa a dar nervoso. Não há mais com o que se distrair. Vários cenários começam a vir à mente, tanto bons quanto ruins, e você tenta expulsar os ruins da cabeça porque os batimentos cardíacos aceleram na hora. A espera no hotel para ir ao ginásio é a pior coisa do mundo. Mas, quando você chega lá, por incrível que pareça, melhora. Apesar de ser sofrido, você está no seu ambiente. Você começa a ver outros atletas indo lutar, ganhando ou perdendo. É o seu ramo, o que você já fez mil vezes na vida.
De novo, há tarefas. Preciso lembrar o atleta de não ir ao banheiro porque precisa estar apto a fazer antidoping. Checar a previsão do horário da luta com o evento, o que determina a hora de começar o aquecimento. Você nunca quer que o aquecimento seja longo demais para que o atleta não canse, nem curto demais.
Marco com o cutman do evento para passar a bandagem na mão dele. Mapeio o lugar e, se conseguir, levo o atleta até a beira para ele sentir a adrenalina antes da entrada. Na maioria das vezes, não deixam; a gente vai escondido. Começa o aquecimento. Nele, há várias metas na minha cabeça para que as respostas táticas estejam o mais rápidas quanto for possível.
Cinco minutos, três minutos. E você faz aquela caminhada até o octógono. Eu fico com uma visão de túnel, não vejo nada em volta, e penso no que ainda posso fazer para ajudar o meu atleta. “Preciso falar isso e aquilo.” É o que eu faço. Daqui a 15 minutos, estaremos muito felizes ou muito tristes. Vai acontecer, e eu vou tentar interferir até o fim para que aconteça da melhor forma. É o pico do nervosismo. Quando a luta começa, eu me acalmo. Estou em ação na minha tarefa, guiando o atleta na luta.

Clara Jardim: Agora que você já nos contou detalhes sobre a Escola Laurent, o paralelo entre os universo do MMA e das cozinhas e mesmo um grande conselho do Chef Alex Atala, vamos encerrar com algumas dicas de restaurantes em São Paulo? Conta para nós quais são os seus favoritos!
Eduardo Alonso: Pelo Brasil, a lista é longa. Mas, em São Paulo, não poderia deixar de citar o D.O.M, do Chef Alex Atala, onde tive a chance de passar dois dias trabalhando como experiência, um pedido que fiz ao Alex. Foi incrível. Nem preciso dizer, é o restaurante mais consagrado do Brasil. Também cito Tanit, de culinária espanhola, do Chef Oscar Bosch, com quem também tive a chance de estudar. É um sucesso absoluto, muito sabor. O restaurante Cosi, do Chef Carioni, com quem também estudei (risos). Padrão de qualidade sensacional. O próprio Komah, de comida coreana, do Chef Paulo Shin, surpreende todo mundo. Tem uma variedade inusitada de sabores da comida coreana com a técnica francesa aplicada. É muito interessante. Entre tantos outros. O Maní é maravilhoso. O Pipo, do Chef Felipe Bronze, o Arturito, o Picchi, o Tujuína… Sem sacanagem, acho que São Paulo deve ter uns 50 ótimos restaurantes. É muito difícil começar a falar porque a gente acaba sendo injusto ao deixar de citar alguns. E eu recomendo São Paulo a todos que querem vivenciar a alta cozinha, não há lugar melhor no Brasil para esse tipo de turismo.